Por Libia López INEWSR
No dia 6 de julho de 2025, o 14º Dalai Lama, Tenzin Gyatso, completa 90 anos. A data é comemorada por milhões de seguidores do budismo tibetano, especialmente pelos tibetanos em exílio, que veem no líder espiritual um símbolo de resistência pacífica, compaixão e identidade cultural. No entanto, o marco também é cercado por incertezas quanto à sucessão da liderança espiritual, um tema que gera tensão entre a tradição tibetana e os interesses políticos da China.
Tenzin Gyatso nasceu em 1935, em uma família camponesa na região de Amdo, no Tibete, que atualmente pertence à China. Foi reconhecido como a reencarnação do 13º Dalai Lama aos dois anos de idade e entronizado aos cinco anos. Com apenas 15 anos, assumiu o papel de líder espiritual e temporal do Tibete, pouco antes da ocupação chinesa em 1950. Após a revolta tibetana de 1959, exilou-se na Índia, onde permanece até hoje, na cidade de Dharamshala, que abriga a sede do governo tibetano no exílio.
Durante décadas, o Dalai Lama tem promovido uma abordagem pacífica frente à questão tibetana, defendendo a autonomia cultural e religiosa do Tibete por meio do que chama de “Caminho do Meio”, rejeitando a independência total, mas exigindo respeito à identidade do povo tibetano. Em 1989, sua atuação lhe rendeu o Prêmio Nobel da Paz.
Com a saúde do Dalai Lama sob constante observação – ele passou por uma cirurgia no joelho em 2024 –, cresce a preocupação com o futuro da liderança espiritual. A tradição prevê que, após a morte de um Dalai Lama, seus seguidores iniciem um processo de busca pela nova reencarnação, um procedimento que envolve consultas a oráculos, sinais espirituais, sonhos e, eventualmente, a identificação de uma criança considerada sua reencarnação.
No entanto, esse processo está ameaçado por interferências políticas, especialmente por parte do governo chinês, que insiste em controlar a escolha do sucessor. A China, país oficialmente ateu, afirma que tem o direito de aprovar a reencarnação de figuras religiosas importantes, usando como base decisões tomadas por imperadores da dinastia Qing, no século XVIII. Para muitos tibetanos e especialistas em religião, essa alegação é vista como uma forma de controle sobre a população tibetana e uma tentativa de minar a legitimidade da liderança espiritual do exílio.
A controvérsia em torno do Panchen Lama – segunda figura mais importante do budismo tibetano – serve como exemplo. Em 1995, o Dalai Lama reconheceu Gedhun Choekyi Nyima como o 11º Panchen Lama. Pouco depois, o menino foi detido pelas autoridades chinesas e nunca mais foi visto em público. A China, então, nomeou outro menino, Gyaltsen Norbu, como Panchen Lama, que é amplamente rejeitado pela comunidade tibetana no exílio.
Esse episódio aumentou o temor de que o mesmo possa acontecer com o próximo Dalai Lama. Por isso, Tenzin Gyatso tem se mostrado determinado a estabelecer regras claras para sua sucessão. Em diversas ocasiões, afirmou que pode romper com a tradição, nomeando em vida seu sucessor, ou até mesmo encerrar a linhagem dos Dalai Lamas caso considere que ela já não seja mais útil para o povo tibetano.
Em 2011, ele renunciou formalmente à sua autoridade política, transferindo o poder para um governo eleito democraticamente entre os tibetanos no exílio. Esse gesto reforçou seu compromisso com os valores democráticos e pode indicar que, na sucessão espiritual, também buscará evitar que o processo seja manipulado por forças externas.
Recentemente, em declarações à imprensa internacional, o Dalai Lama afirmou que seu sucessor pode nascer fora da China, em um país livre, onde possa ser educado sem interferência governamental. Alguns analistas acreditam que ele poderá indicar um sucessor ainda em vida, como forma de assegurar uma transição legítima e protegida.
A comunidade internacional acompanha de perto essa questão. Em 2020, os Estados Unidos aprovaram uma lei exigindo que apenas os tibetanos decidam sobre a sucessão do Dalai Lama, e que qualquer tentativa de interferência por parte da China será considerada ilegítima. A Índia, país que acolhe o líder espiritual há mais de 60 anos, também mantém posição favorável à autonomia tibetana, embora adote uma postura mais cautelosa devido às tensões com a China.
Aos 90 anos, o Dalai Lama permanece lúcido, ativo e espiritualmente engajado. Participa de conferências, recebe visitantes e continua a ensinar os princípios budistas com bom humor e serenidade. Para os tibetanos, sua longevidade é um sinal de bênção. Muitos acreditam que viverá até os 110 anos, como ele mesmo já afirmou em tom descontraído.
Seu legado vai muito além da política. É reconhecido mundialmente como defensor dos direitos humanos, da paz e da tolerância religiosa. Seus livros, ensinamentos e discursos influenciaram milhões de pessoas, dentro e fora da tradição budista. Entre os valores que sempre destacou estão a compaixão, a responsabilidade universal e a importância do diálogo inter-religioso.
Além disso, é um dos poucos líderes religiosos que consegue unir tradição e modernidade. Já declarou apoio à ciência, ao meio ambiente e à educação das mulheres. Em conferências internacionais, costuma debater sobre neurociência, felicidade e ética, mostrando abertura ao pensamento contemporâneo sem abandonar suas raízes espirituais.
Em Dharamshala, as comemorações pelo seu aniversário incluem orações, festividades culturais, danças tradicionais, exposições de arte e conferências budistas. Espera-se que o próprio Dalai Lama participe de alguns eventos e, segundo especulações, ele poderá fazer um anúncio sobre a sucessão nos próximos dias, o que traria alívio para muitos e tensão para outros.
Para a comunidade tibetana, a continuidade da linhagem dos Dalai Lamas é essencial para manter viva a identidade cultural e espiritual do povo. Ao mesmo tempo, enfrentam o desafio de lidar com um mundo onde as forças políticas muitas vezes sobrepõem-se às tradições religiosas.
A incerteza sobre o futuro da sucessão reflete, portanto, um dilema mais amplo: como manter a essência de uma cultura milenar diante de pressões modernas e interesses geopolíticos? A resposta pode não estar apenas nas palavras do Dalai Lama, mas na capacidade de seu povo em se adaptar sem perder o rumo.
Em meio às homenagens, a figura de Tenzin Gyatso se agiganta como um dos líderes espirituais mais respeitados do século XXI. Mesmo diante das incertezas, seu exemplo de vida continuará a inspirar milhões de pessoas no Tibete, no exílio e no mundo inteiro. A sucessão virá, cedo ou tarde, mas o espírito do Dalai Lama, como ensinou o próprio budismo, permanece além das formas, guiando pela sabedoria e pela compaixão.
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