Tráfico de Pessoas: o crime que atravessa fronteiras e destrói vidas

 


Por Libia López INEWSRADAR

O tráfico de pessoas, uma das atividades ilícitas mais lucrativas do planeta, segue devastando vidas e famílias em todos os continentes. Entre 2020 e junho de 2023, mais de 202 mil pessoas foram traficadas em diversas partes do mundo, segundo os dados mais recentes da Organização das Nações Unidas (ONU). E no Brasil, o cenário é igualmente preocupante: só entre janeiro de 2024 e o início de junho, o Disque 100 — canal oficial de denúncias de violações de direitos humanos — registrou 780 denúncias relacionadas ao tráfico de pessoas, que resultaram em 831 violações de direitos.


Esses números, por si só alarmantes, escondem ainda uma realidade invisibilizada por uma série de fatores, como explica a socióloga e pesquisadora Ângela Assis:

— Há uma subnotificação significativa, muitas vezes provocada pela falta de preparo dos profissionais que recebem essas denúncias. Em alguns casos, as vítimas são revitimizadas e acabam não dando continuidade ao processo. Além disso, o tráfico de pessoas ultrapassa fronteiras e sistemas legais, dificultando o registro preciso e a punição dos envolvidos.

Segundo a ONU, a pandemia de covid-19 teve um efeito inesperado sobre esse crime: as medidas de isolamento e restrições de mobilidade adotadas em vários países acabaram dificultando, temporariamente, a atuação de redes criminosas. Mesmo assim, os números continuaram altos, e há o temor de que, com o fim das restrições sanitárias, o tráfico volte a crescer com ainda mais intensidade.


Pessoas transformadas em mercadorias

O tráfico de seres humanos é um crime que reduz indivíduos a objetos. As vítimas são, na maioria das vezes, pessoas em situação de vulnerabilidade econômica, emocional ou social. Elas são aliciadas por falsas promessas de emprego, estudo, estabilidade financeira ou mesmo relacionamentos amorosos.

Assim, filhos, mães, maridos e mulheres perdem sua liberdade, sua identidade e, muitas vezes, a própria vida. São pessoas que foram enganadas e depois vendidas como mercadorias para fins como exploração sexual, trabalho análogo à escravidão, remoção de órgãos, adoção ilegal ou casamentos forçados.

Esse ciclo cruel e silencioso movimenta mais de US$ 32 bilhões por ano, de acordo com estimativas das Nações Unidas, tornando-se a terceira atividade criminosa mais lucrativa do mundo, atrás apenas do tráfico de drogas e do tráfico de armas.




Mulheres, as principais vítimas

As estatísticas revelam um dado importante: as mulheres são as mais afetadas por esse tipo de crime, representando 39% do total de vítimas traficadas no mundo. Muitas vezes, são forçadas à prostituição ou exploradas em redes de trabalho doméstico clandestino, em condições sub-humanas. Crianças e adolescentes também estão entre as principais vítimas, devido à sua fragilidade e facilidade de manipulação.

No Brasil, o perfil das vítimas frequentemente inclui mulheres negras, migrantes e em situação de extrema pobreza. Para elas, as promessas de mudança de vida oferecidas pelos aliciadores soam como esperança — mas escondem um abismo de sofrimento.


Um crime que não respeita nacionalidade

Brasileiros, venezuelanos, haitianos, colombianos, norte-americanos, europeus. O tráfico de pessoas não faz distinções. Ele opera globalmente, com rotas bem definidas e redes criminosas organizadas que atuam tanto no aliciamento quanto no transporte e destino das vítimas.

O Brasil, por sua posição geográfica e extensão territorial, atua como país de origem, trânsito e destino nesse tipo de crime. Algumas vítimas são levadas para fora do país, especialmente para a Europa e os Estados Unidos, enquanto outras são trazidas de países vizinhos e exploradas em território nacional.

Entre os destinos mais frequentes das vítimas brasileiras estão países como Espanha, Portugal, Suíça e Guiana Francesa. Já dentro do território nacional, estados como São Paulo, Mato Grosso, Pará e Roraima têm registrado altos índices de denúncias, especialmente relacionados ao trabalho forçado e à exploração sexual.


As formas de aliciamento

O modo de operação dos traficantes é muitas vezes sutil e adaptado à realidade da vítima. Em muitos casos, a abordagem acontece pelas redes sociais, com promessas de trabalho em outro estado ou país, pagamento de passagens e facilidades de moradia. Os criminosos se apresentam como agências de emprego, casamenteiros ou até mesmo pretendentes amorosos.

O processo segue um padrão: primeiro, o convencimento; depois, o isolamento da vítima do seu ambiente familiar e, por fim, a submissão — por meio de violência física, emocional ou chantagem. Em pouco tempo, a vítima perde sua liberdade, seus documentos, e passa a viver sob o controle total dos traficantes.


Enfrentamento e prevenção

Apesar dos desafios, existem esforços significativos de combate ao tráfico de pessoas no Brasil e no mundo. O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania mantém o Disque 100 como canal de denúncia anônima e gratuita, funcionando 24 horas por dia. Há ainda ações coordenadas entre polícias federais, organizações internacionais e ONGs de proteção a direitos humanos, que trabalham no acolhimento, resgate e reintegração das vítimas.



Além disso, campanhas de conscientização têm sido fundamentais para alertar a população sobre os riscos e sinais de aliciamento. A informação é uma ferramenta crucial de prevenção. Saber identificar promessas enganosas, desconfiar de propostas milagrosas e buscar orientação antes de aceitar trabalhos fora do país são medidas que podem salvar vidas.


Um problema invisível, mas real

Mesmo com os avanços no enfrentamento ao tráfico humano, muitos casos ainda permanecem invisíveis. Seja por medo, vergonha, falta de informação ou ausência de apoio, milhares de vítimas seguem silenciadas.

A socióloga Ângela Assis reforça que o combate a esse crime exige mais do que repressão policial.
— É necessário um trabalho educativo e interinstitucional. É preciso fortalecer políticas públicas, capacitar agentes públicos e criar espaços de acolhimento para as vítimas. Só assim vamos romper esse ciclo.



O tráfico de pessoas é uma ferida aberta na sociedade contemporânea. Um crime silencioso, que age nas sombras, mas que causa cicatrizes profundas. São mais de 202 mil histórias interrompidas, destruídas por redes que lucram com a dor alheia. Enquanto a justiça e o Estado não alcançam todos os cantos, a informação, a empatia e o engajamento social se tornam armas essenciais contra esse crime sem fronteiras.

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Libia López Jornalismo-Repórter News working in Brasil

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